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Especialista da USP esclarece sobre uso de luz ultravioleta como medida auxiliar na prevenção da Covid-19
30/07/2020
Por conta da Covid-19, a Vigilância Sanitária vem sendo consultada com certa frequência a respeito de novas técnicas, procedimentos, produtos e equipamentos desenvolvidos para auxiliar na prevenção da doença.
A luz ultravioleta (UVC) tem sido um dos recursos propostos pelo mercado para desinfecção de ambientes e superfícies em geral, sugerindo o combate, dentre outros microrganismos patogênicos, ao novo coronavírus.
Recentemente, o CVS publicou o Comunicado CVS-SAMA/DVST/DITEP 29/2020 com esclarecimentos sobre o “Uso de Cabines de Luz Ultravioleta para Desinfecção de Compras em Supermercados e Estabelecimentos Congêneres para Prevenção da Covid-19”.
Com o atual contexto pandêmico de Covid-19, é preciso que os órgãos de vigilância sanitária e de regulação em geral estejam atentos às demandas da sociedade e aos benefícios ou riscos à saúde associados aos novos comportamentos e práticas. Pensando nisto, o CVS tem estreitado a interlocução com outras instituições e com especialistas de diferentes áreas do conhecimento.
No caso da luz ultravioleta, convidamos o professor Vanderlei Salvador Bagnato, renomado físico e cientista brasileiro, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), para nos esclarecer a respeito de alguns aspectos técnicos fundamentais para compreender os benefícios do emprego da luz UVC e os possíveis riscos relacionados aos seus diferentes usos(*).
CVS: Professor, a luz UVC é de fato um agente eficaz no combate aos microrganismos patogênicos, em especial ao novo coronavírus?
Prof. Vanderlei Bagnato: Na classificação da luz, temos pelo menos três categorias de luz UV. O chamado UVA, UVB e UVC. Enquanto o UVA e UVB não são muito microbicidas, isto é, não matam muito bem vírus e bactérias, o UVC é um excelente agente para eliminar os vírus em geral, inclusive o novo coronavírus. O vírus é composto por uma camada proteica e material genético. O UVC, ao incidir no vírus, destrói tanto esta camada quanto o material genético, inativando o microrganismo. Para que isto ocorra, é necessário que o vírus seja diretamente exposto a radiação. Em muitas situações o vírus está misturado com as fibras de um tecido, por exemplo, não sendo possível a ação direta da radiação. Segundo estudos diretos com vírus, alguns segundos de incidência com uma fonte de UVC de média intensidade já é suficiente para inativar 99,99% dos vírus expostos. As fontes de UVC são excelentes agentes físicos para eliminarmos o Vírus. Porém, é sempre necessário que as condições de eficiência sejam alcançadas com segurança. O uso da radiação UVC como germicida é bastante antigo, ele vem sendo utilizado há muitas décadas. Embora altamente eficiente contra os vírus e bactérias, o UV em geral é nocivo ao ser humano e, portanto, deve ser usado com grande critério para não colocar em risco os usuários. Apesar do UVC ser a indicada para eliminar os microrganismos, as fontes de luz, na sua maioria, contem também o UVA e UVB. Estes não são eficientes como microbicidas e podem ser nocivos ao ser humano. Sua incidência na pele pode levar a lesões com potencial de evoluir para câncer de pele. Também nos olhos, todo tipo de radiação UV é maléfico para os olhos, podendo causar desde catarata até queimaduras severas da córnea.
Ao receber os raios de UVC, o vírus é basicamente destruído. É, no entanto, necessário que haja uma quantidade mínima de UVC para que isto ocorra.
CVS: O uso da luz UVC é uma estratégia aceitável para prevenir riscos em estabelecimentos de assistência à saúde e outros locais que exigem procedimentos mais rigorosos de desinfecção?
Prof. Vanderlei Bagnato: O ambiente hospitalar, especialmente quando sujeito a intenso trânsito ou permanência de pessoas com doenças infecciosas, é onde tende a se acumular uma significativa quantidade e variedade de microrganismos patogênicos. Apesar de já se ter procedimentos bem estabelecidos para eliminar os microrganismos que se acumulam nas superfícies e nos objetos, a alta circulação das pessoas obriga a adoção de procedimentos intensivos de limpeza e higienização. Para as superfícies do piso, das paredes, assentos, mesas ou similares, a aplicação de UVC pode ser de boa ajuda, mesmo na presença de pessoas circulando pelo local. É essencial, no entanto, tomar cuidados para que as pessoas não sejam expostas a essa radiação. Muitas empresas já desenvolveram dispositivos seguros que permitem desinfetar superfícies como chãos, mesas etc. Todavia, os usuários precisam estar cientes de que não devem expor os olhos e demais partes do corpo diretamente à luz, que deve ficar próxima da superfície a ser exposta, mas não incidir diretamente sobre as pessoas. Por conta disto, os aparelhos que emitem UVC devem conter dispositivos de segurança que os desliguem automaticamente sempre que não mais em uso e na presença de pessoas, além de conter instruções claras a respeito de seu correto uso e dos riscos de sua manipulação inadequada. A iluminação UVC de ambientes (torres de lâmpadas ou lâmpadas UVC instaladas em paredes ou tetos) só podem ser ativadas na ausência absoluta de pessoas. Mesmo assim, deve-se ter cuidado com os objetos e materiais expostos a UV por longos períodos. Muitos objetos plásticos podem se degradar quando expostos por muito tempo ao UV. A perda da cor das superfícies é um dos sinais que pode estar havendo degradação dos materiais pelo uso sistemático de UV. De modo geral, no ambiente hospitalar em particular, o ar é um dos veículos importantes da contaminação. O UVC pode ajudar muito na descontaminação desses locais, desde que se adote os devidos cuidados, utilizando sempre equipamentos devidamente aprovados para tal finalidade. Quando usados em ambientes onde pessoas estejam presentes, os equipamentos devem conter dispositivos que protejam os usuários do contato direto com as radiações.
Sistemas de aplicação em superfícies. Pisos, balcões, assentos, macas e outros podem ser sanitizados com UVC desde que os dispositivos tenham elementos de segurança e os operadores estejam suficientemente instruídos
CVS: Muitas dúvidas têm surgido a respeito dos novos empregos da Luz UVC no cotidiano das pessoas para auxiliar na prevenção da Covid-19, como a desinfecção de compras em supermercados e a melhoria da qualidade do ar e a desinfecção de superfícies em elevadores e outros ambientes de uso coletivo. Quais os benefícios e riscos desses usos?
Prof. Vanderlei Bagnato: Apesar de estarmos vivendo um momento de grande angústia e preocupação com os riscos da Covid-19, é preciso ser sempre criterioso com relação ao uso de UVC. Em termos de melhoria da qualidade do ar, já está provado que ele carrega microgotículas advindas da respiração humana que podem ser agentes de contaminação. Elas normalmente decantam, se assentando nas superfícies (pisos, mesas e outros planos) após algum tempo. Ocorre, no entanto, que esse tempo pode ser de horas. É por isto que devemos sempre usar máscaras em ambientes por onde circulam ou circularam muitas pessoas. Não sabemos se alguém que ali passou anteriormente deixou no ar agentes de contaminação. Nesses locais, ainda mais onde a circulação natural de ar é limitada, a iluminação com UVC pode ser uma boa opção, desde que não permaneçam ou circulem pessoas no momento da ativação da UVC. Quando houver pessoas, deve-se usar circuladores de ar providos de filtros ou reatores internos de UVC.
No caso de lojas, supermercados e outros estabelecimentos de uso coletivo, os túneis de UVC ainda não apresentam a segurança e protocolos de operação adequados. Na descontaminação de carrinhos de supermercados, a prática só faz sentido para desinfetar o veículo vazio, sem mercadorias. Se os carrinhos forem expostos à luz UVC com mercadorias em seu interior, estas serão desinfetadas parcialmente, apenas nas áreas expostas diretamente, aquelas iluminadas, podendo confundir o consumidor a respeito da condição de higiene dos produtos.
Sabemos que as mercadorias ofertadas em lojas e outros estabelecimentos comerciais estão geralmente disponíveis ao contato com uma grande quantidade de pessoas e, portanto, sob constante risco de contaminação. Algumas medidas básicas de higienização dos produtos e alguns cuidados nos procedimentos por parte dos consumidores já reduzem significativamente os riscos de contaminação. O emprego de câmaras de UVC pode ajudar, desde que se garanta uma iluminação por completo das superfícies do pacote ou do produto. Penso que este não é o caso do carrinho repleto de compras de supermercado.
Deve-se também chamar a atenção que as câmaras de UVC precisam contar com dispositivos de segurança que impossibilitem o escape de luz UVC. Para pacotes e embalagens não laváveis, o uso de dispositivos UVC pode contribuir para a eliminação de contaminantes da embalagem, não dos produtos nela contidos.
No caso de elevadores, o uso de lâmpadas UVC deve ser usado somente quando sem passageiros, condição que pode ser garantida pelo emprego de detectores de presença. Nesses compartimentos, o principal problema é a qualidade do ar, pois as superfícies (piso, paredes e painéis) podem ser higienizadas com procedimentos simples, desde que sistemáticos, e com orientações aos usuários para adoção de práticas de proteção. Nesses casos, a descontaminação do ar pode ser feita com sanitizadores de ar de alta vazão, desde que apropriados para tais fins, instalados por pessoal especializado e com manutenção contínua.
A luz UVC pode ser uma opção interessante em diversas outras situações onde o risco de contaminação está presente, como para desinfetar moedas e cédulas de dinheiro. Alguns dispositivos usando UVC já estão sendo desenvolvidos para tais fins. Em locais de grande rotatividade de pessoas, como em hotéis, onde é necessária uma rotina rigorosa de limpeza, com a troca e higienização frequente de roupas de cama, travesseiros, colchões etc., o emprego de luz UVC pode ser uma opção interessante, desde que – mais uma vez – se protejam os usuários e se atente para uma desinfecção adicional das superfícies eventualmente não expostas à luz UVC.
É importante insistir que a luz UVC têm potencial para causar danos às pessoas se não usada apropriadamente. Queimaduras de pele e córnea, eritemas ou mesmo câncer de pele, dentre outros males, podem ocorrer caso se descuide durante o uso de tal tecnologia. Deve-se evitar por completo a exposição de qualquer parte do corpo humano à luz UVC.
Há várias possibilidades do uso de torres de UVC, lembrando sempre que nas sombras não há descontaminação, demandando medidas adicionais para sanitização das superfícies e objetos.
Saiba mais sobre o entrevistado:
VANDERLEI SALVADOR BAGNATO concluiu simultaneamente Bacharelado em Física - USP, e Engenharia de Materiais - UFSCar em 1981 e realizou o doutorado em Física - Massachusetts Institute of Technology - MIT em 1987. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo, e diretor do Instituto de Física de São Carlos. Recebeu diversos prêmios e homenagens. Atua na área de Física Atômica e Aplicações da Óptica nas Ciências da Saúde. Trabalha com átomos frios, Condensados de Bose-Einstein e ações fotodinâmicas em câncer e controle microbiológico. Realiza diversas atividades de Inovação Tecnológica e difusão de ciências.
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*As opiniões do entrevistado não expressam necessariamente o posicionamento do Centro de Vigilância Sanitária.