Farmacovigilância

A Farmacovigilância como Elemento da Tradição Histórica do CVS

19/12/2023


Introdução

 

A relevância das atividades, ações e serviços de farmacovigilância fez com que a Organização Mundial de Saúde – OMS definisse este campo de saber e atuação como “a ciência e atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados ao uso de medicamentos”.

 

A farmacovigilância tem como objetivo principal a redução das taxas de morbidade e mortalidade associada ao uso de medicamentos, através da detecção precoce de problemas de segurança desses produtos que possam expor a risco os pacientes, além de melhorar a seleção e o uso racional dos medicamentos pelos profissionais de saúde.

 

Algumas Expressões da Tradição Histórica da Farmacovigilância no CVS

 

As ações de farmacovigilância como estratégia de mitigação e controle dos riscos associados ao uso de medicamentos, no âmbito do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo – CVS/SP, datam dos anos 1980. À época, o alto grau de intoxicação por medicamentos, as inadequações e os abusos na utilização dos medicamentos em nosso meio guiavam o planejamento do trabalho da equipe de saúde do CVS/SP. Estavam claras algumas necessidades, dentre as quais, estudar a estratégia para a implantação de um Programa de Farmacovigilância. Neste contexto, a Portaria CVS nº 17, de 20 de julho de 1989, foi publicada para instituir o Núcleo de Vigilância Farmacológica, destinado a elaborar e participar de programas que visassem a implantação da farmacovigilância no Estado de São Paulo, bem como desenvolver atividades de compilação de dados relacionados à epidemiologia e a toxicologia de medicamentos.

 

Aquela contextualização ensejou a criação do Núcleo Técnico de Assistência Toxicológica, instituído por meio da Portaria CVS nº 25, de 15 de agosto de 1990, com o objetivo de coordenar as atividades de toxicovigilância, inclusive as relativas a intoxicações derivadas do uso de medicamentos.

 

Ao final da década de 1990, a Resolução SS nº 72, de 13 de abril de 1998, instituiu o Programa Estadual de Redução de Iatrogenias – PERI, um programa amplo que prevê desde o estabelecimento da política de saúde referente a utilização, a segurança e a informação dos medicamentos comercializados no Estado, até o aperfeiçoamento do Sistema de Informações de Medicamentos; o aprimoramento do controle do receituário médico; a operacionalização do fluxo de notificações de reações adversas a medicamentos; e a capacitação dos recursos humanos necessários à implantação do Programa. Na sequência, por meio da Resolução SS nº 33, de 1º de março de 1999, que aprovou o modelo da Ficha de Notificação de Eventos Adversos a Medicamentos, estabeleceu-se a compulsoriedade do encaminhamento mensal, ao Centro de Vigilância Sanitária, pelos laboratórios farmacêuticos do Estado, de relatórios das notificações de eventos adversos a medicamentos recebidas.

 

As notificações de reações adversas a medicamentos – RAM sempre constituíram um instrumento importante para a operacionalização do PERI. A principal ferramenta da farmacovigilância, ainda hoje, é a notificação espontânea, por parte dos profissionais de saúde, de toda suspeita de RAM e de outros problemas relacionados a medicamentos, tais como: desvios de qualidade, perda de eficácia, uso abusivo, intoxicação, uso indevido ou mesmo erros de administração.

 

De 1998 a 2005, o CVS recebeu incontáveis notificações de RAM que nortearam decisões sobre o uso racional de medicamentos, seja por meio do encaminhamento de formulários físicos, seja pelo envio em formato eletrônico, por e-mail. Nesse cenário, editou-se a Portaria CVS nº 3, de 14 de março de 2005, que, além de instituir o Núcleo de Farmacovigilância do CVS, dispôs também sobre formulários eletrônicos destinados à notificação voluntária.

 

Em maio de 2005, em uma iniciativa pioneira no País, o Estado de São Paulo lançou o sistema eletrônico de notificações do CVS/SES-SP – Sistema de Informação PERIweb, tendo recebido, em 5 de maio de 2005, sua primeira notificação de suspeita de RAM. Hoje, no banco de dados do Sistema PERIweb, verificam-se mais de meio milhão de relatos provenientes de hospitais, outras unidades de saúde, profissionais de saúde, farmácias e indústrias farmacêuticas. Somente alguns anos depois, em janeiro de 2008, a ANVISA implementou o formulário de notificação de eventos adversos a medicamentos no Notivisa (sistema eletrônico de notificações de produtos sujeitos à fiscalização sanitária, coordenado pela Agência).

 

A título de ilustração. De maio de 1998 a dezembro de 2004 foram encaminhadas ao CVS 10.916 notificações de reações adversas a medicamentos, sendo 57% (6.209) provenientes de hospitais, 42% (4.599) de empresas farmacêuticas e 1% (108) provenientes de outras origens (Gráfico).

 

Gráfico

Fonte: Sistema de Informação do CVS.

Divisão de Produtos Relacionados à Saúde do Centro de Vigilância Sanitária, Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde ‒ SES-SP.

 

Já de 5 de maio de 2005 a 18 de dezembro de 2023, ao Sistema de Informação PERIweb foram reportados 506.542 eventos adversos a medicamentos, distribuídos segundo estabelecimentos de origem e tipos de eventos adversos, conforme consta no Quadro.

 

 

Ressalte-se que, no universo de 506.542 notificações de eventos adversos a medicamentos, as categorias profissionais dos notificadores foram as seguintes: a) 32% médico (164.322), 31% farmacêutico (157.195), 12% enfermeiro (62.381), 2% cirurgião-dentista (10.122), 20% outros profissionais (103.261) e 2% não informado (9.261).  

 

Durante 2005, ainda, por meio da Portaria CVS nº 4, de 29 de abril de 2005, foram atualizados e instituídos formulários de notificação e comunicação de suspeita de reação adversa a medicamento e desvio da qualidade de medicamento e seus fluxos, ampliando-se a obrigatoriedade de notificação de eventos adversos a medicamentos, no âmbito do Estado, nos seguintes termos:

 

Art. 34. O descumprimento dos termos desta Portaria pela empresa farmacêutica; a não notificação de ocorrência de suspeita de reação adversa a medicamento como causa direta de óbito de paciente; a não comunicação de reações adversas graves aludidas no Art. 28 à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa/MS e ao Conselho Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP, do Conselho Nacional de Saúde, e, ainda, o não encaminhamento de cópia de artigo científico contendo estudo publicado sobre reações adversas graves e/ou inesperadas a medicamentos, ocorridas no território do Estado, caracterizam infração à legislação sanitária vigente.

 

A Portaria CVS nº 5 de 05 de fevereiro de 2010 atualizou o fluxo de notificações em farmacovigilância para as empresas que são detentoras de registro de medicamento no Estado, sendo definido que as notificações relacionadas à farmacovigilância deveriam ser encaminhadas ao CVS pela indústria farmacêutica, exclusivamente por meio do sistema eletrônico de notificação do CVS/SES-SP (Sistema PERIweb), disponível no sítio do órgão na Internet.

 

Os marcos regulatórios que, por diferentes motivações, foram importantes na trajetória do CVS ao desenvolver atividades, ações e serviços de farmacovigilância no âmbito do Estado de São Paulo, de 1989 a 2021, encontram-se inseridos na Figura. O marco regulatório referente ao ano de 2023 será abordado na sequência.  

 

 

Pandemia por SARS-CoV-2 e Relevância da Farmacovigilância

 

Com o advento da pandemia por SARS-CoV-2, marcadamente a partir de março de 2020, a farmacovigilância ganhou destaque, tendo se colocado vários desafios associados às inúmeras possibilidades de terapia medicamentosa, para profilaxia ou tratamento da Covid-19, em caráter emergencial, e, não raro, sem a devida comprovação científica. Além disso, a própria rotina da vigilância do medicamento – depois da concessão do registro e já na vigência de sua comercialização – carrega um propósito fundamental quanto à garantia do seu uso racional, alinhado ao que apresenta a OMS em seu relatório Aliança Mundial para a Segurança do Paciente: nesse documento enfatiza-se que dentre os principais requisitos dos programas para melhorar a segurança dos pacientes estão a habilidade e a capacidade de reunir as informações mais completas sobre reações adversas e erros de medicação, de modo que tais programas sirvam como fonte de conhecimento e base para futuras ações preventivas.

 

Adoção, pela ANVISA, do Sistema de Informação do Centro Internacional de Monitorização de Medicamentos da OMS, VigiFlow, com a denominação Sistema de Informação VigiMed

 

Em 2018 deu-se a adoção pela ANVISA/MS do Sistema de Informação do Centro Internacional de Monitorização de Medicamentos da OMS, localizado em Uppsala na Suécia, visando fortalecer o gerenciamento de dados de notificação de evento adverso a medicamento, inclusive evento supostamente atribuível à vacinação ou imunização, e a organização da base de dados de farmacovigilância no Brasil.

 

Desde então, o Sistema de Informação VigiMed passou a ser disponibilizado pela ANVISA para cidadãos/pacientes, profissionais de saúde, detentores de registro de medicamentos e patrocinadores de ensaios clínicos relatarem suspeitas de evento adverso a medicamento e evento supostamente atribuível à vacinação ou imunização. As vantagens do Sistema de Informação Vigimed em relação ao Sistema de Informação Notivisa (ANVISA) e ao Sistema de Informação PERIweb (CVS/SES-SP) são muitas, conforme exemplifica-se nos itens que se seguem.

 

1. É compatível com a versão atualizada dos padrões internacionais publicados pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Medicamentos de Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH), como o Guia ICH-E2B (R3).

 

2. Utiliza o Dicionário Médico MedDRA (ao invés do WHO-ART) para codificar as reações adversas, a indicação do medicamento, o histórico médico, a causa de morte, os exames laboratoriais e os diagnósticos, bem como a terminologia WHO-Drug para buscar nomes de medicamentos e princípios ativos. Ambas as terminologias são atualizadas automaticamente sempre que há uma atualização de versão.

 

3. Foi criado para garantir interface em tempo real entre os Centros Regionais de Farmacovigilância (no caso do Brasil localizados em Estados), com o seu respectivo Centro Nacional (no caso do Brasil a ANVISA), e o Centro Internacional Coordenador do Programa de Farmacovigilância da OMS (Centro de Monitoramento de Uppsala). Ou seja, foi desenhado para garantir interoperabilidade, respeitando os diferentes níveis de acesso.

 

4. Possibilita que empresas enviem múltiplas notificações de uma vez, por meio de soluções tecnológicas rápidas, como envio de arquivos em XML.

 

5. Apresenta melhor interface para registro de notificações de eventos adversos a medicamentos e vacinas, como, por exemplo, a entrada de múltiplas informações de dose para o mesmo medicamento ou vacina.

 

6. Permite o registro de resultados de avaliação de causalidade por 4 métodos: WHO-UMC causality, Naranjo, WHO-AEFI e método francês. No caso das vacinas contra covid-19, o algoritmo empregado, tanto pelo sistema e-SUS Notifica do Ministério da Saúde quanto pelo Sistema Vacivida do Estado de São Paulo, é usado o algoritmo WHO-AEFI, inexistente no Sistema PERIweb.

 

7. Todos os registros notificados no Sistema Vigimed compõem, automaticamente, a base de dados nacional e, consequentemente, a base de dados global da OMS, o VigiBase.

 

Assentado nas vantagens apontadas acima, e com vistas ao fortalecimento das atividades, ações e serviços de farmacovigilância no âmbito do Estado de São Paulo, o Centro de Vigilância Sanitária decidiu adotar o Sistema de Informação Vigimed, descontinuando, assim, o uso do Sistema de Informação PERIweb para notificação de eventos adversos a medicamentos e vacinas.

 

A fim de garantir uma transição planejada do Sistema de Informação PERIweb para o Sistema de Informação Vigimed, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, por meio do Centro de Vigilância Sanitária da Coordenadoria de Controle de Doenças, e a União, por meio da ANVISA vinculada ao Ministério da Saúde, assinaram o Acordo de Cooperação Técnica nº 01/2023-VIGIMED/2023 – publicado no Diário Oficial da União (DOU), de 8 de agosto de 2023, e no Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOE-SP), de 15 de setembro de 2023.

 

Portaria CVS nº 10 de 12 de dezembro de 2023: Instrumento de Construção do Sistema Estadual de Farmacovigilância

 

A Portaria CVS nº 10, de 12 de dezembro de 2023, para além de norma que harmoniza, no Estado de São Paulo, o emprego de Sistema Eletrônico de Notificação de Eventos Adversos a Medicamentos e Vacinas, mediante a adoção do Sistema de Informação Vigimed, constitui-se num instrumento de construção do Sistema Estadual de Farmacovigilância.

 

A assunção do Sistema de Informação Vigimed por entes federados – União, Estado, Distrito Federal e Município – conforma, a rigor, um processo que instrumentaliza, com uma ferramenta tecnologicamente potente, as equipes técnicas no sentido de facilitar aos seus profissionais o desempenho de suas atividades em farmacovigilância.

 

Acesse aqui a Portaria CVS n.10 de 12/12/2023.