Programas e Projetos

Trabalhador do setor canavieiro


Considerando que uma das atribuições do SUS é desenvolver ações de vigilância em saúde do trabalhador e que VISAT, conforme a Portaria MS-GM 3120 (1jul98) no SUS "compõe um conjunto de práticas sanitárias, articuladas supra-setorialmente, cuja especificidade está centrada na relação da saúde com o ambiente e os processos de trabalho e nesta com a assistência, calcado nos princípios da vigilância em saúde, para a melhoria das condições de vida e saúde da população" (Port.MS.GM 3120/98)

Com o crescimento da indústria sucroalcooleira no Estado de São Paulo e o conseqüente aumento do número de trabalhadores expostos aos riscos desse ambiente laboral, tornou-se absolutamente necessária a intervenção do SUS-Sistema Único de Saúde, em parceria com outras instâncias governamentais, no controle dos riscos e assistência integral à saúde dos trabalhadores, como preconiza a Constituição Federal e outros dispositivos legais, principalmente o Código Sanitário do Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo abriga, atualmente, 184 usinas/destilarias de açúcar e álcool, distribuídas por 142 municípios, do menor (Borá) aos mais populosos, envolvendo mais de 5 milhões de habitantes em 14 regiões de saúde, conforme informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em 27fev12.

Em função da demanda advinda de diversas regiões de saúde do Estado e com a intenção de conter a proliferação dos riscos e agravos à saúde dos trabalhadores e da população das regiões canavieiras, iniciou-se pela iniciativa da DVST do CVS o "Programa Paulista de VISAT canavieiro" em 2007.

A cana e os canavieiros no Estado de São Paulo

Na década de 2000 multiplicaram-se as denúncias e reportagens sobre mortes inexplicadas no campo e acidentes de trabalho, tanto nas usinas de açúcar e álcool, quanto nas lavouras de cana-de-açúcar, além denúncias sobre as condições das habitações coletivas dos migrantes do corte de cana.

Percebemos graves problemas de saúde pública e ambiental. Vimos, nessa década, aumentar imensamente no Estado, o número de trabalhadores migrantes para o corte de cana, que chegaram a mais de 300.000 (500.000 no setor canavieiro como um todo) sem o correspondente aumento da infra estrutura de assistência à saúde ou o repasse de verbas federais correspondentes. Na medida em que os cortadores passavam apenas três meses ao ano em média nos seus locais de origem, passaram a viver ¾ do ano em nosso Estado utilizavam os recursos de saúde do Estado; trabalhadores vindos de regiões como o Piauí e Maranhão, por exemplo, passavam a morar em residências precárias adaptadas sem a higiene e estrutura necessária nas periferias da maioria das cidades do interior paulista.

Assistimos a imprensa noticiar as mortes por exaustão, entre estes trabalhadores, causadas pelo ganho por produção e o conseqüente excesso de esforço laboral, sob condições de calor intenso e sem descanso ou sombras nas áreas rurais, onde que não se criaram as mínimas condições sanitárias à preservação da saúde nas frentes de trabalho. O SUS, por sua vez, não conseguiu, através de seus meios tradicionais de informação, obter dados fidedignos sobre estas mortes na década de 2000, por diversos motivos como: o preenchimento incompleto e deficiente de atestados de óbito, a falta de identificação da atividade laboral nos serviços de urgência-emergência, à falta de identificação do quadro nosológico de adoecimento e morte entre estes trabalhadores nos mesmos serviços e nos serviços médicos das empresas, ao fato de muitas vezes estes trabalhadores passarem mal e só procurarem ajuda após findo o horário de trabalho, à falta de socorro imediato nos eventos de saúde na área rural, à falta de notificação de doenças ocupacionais pelos serviços de saúde em geral e muitos outros fatores.  Também observamos, com o aumento das queimadas, o coincidente aumento das doenças e crises respiratórias, em especial entre crianças e idosos e também vimos o extenso uso de agrotóxicos nas lavouras de cana, ampliar as contaminações ambientais e os danos aos trabalhadores destas lavouras. Ao mesmo tempo, nas investigações, conseqüentes às denúncias de grande número de acidentes graves e até fatais nas áreas industriais das usinas de cana de açúcar e álcool, foram constatados inúmeras situações de risco laboral como falta de proteção para o trabalho em altura, condições insalubres, porto de trabalhos de alto risco para acidentes como o chapisco e o pela-porco, materiais em suspensão, contaminações , etc.

HISTÒRICO DO PROGRAMA

Entidades como Ministério Público do Trabalho/Procuradoria Regional do Trabalho, Pastoral do Migrante, Ministério do Trabalho e Emprego/Superintendência Regional do Trabalho, Ministério Público Federal/Procuradoria da República do Estado de São Paulo e Assembléia Legislativa, dentre outras, começaram a demandar atitudes da Saúde do ESP que demandava a VISAT – DVST/CVS.

Em 2006, as primeiras tarefas assumidas pela DVST, foram a identificação dos problemas a serem enfrentados e a preparação de equipes de vigilância em saúde do trabalhador do SUS – SP para intervir neste setor econômico. Montou-se um GT- Grupo Técnico Canavieiros - para este trabalho, que, em sua primeira reunião 8nov06 julgou ser fundamental para desenvolver as ações de VISAT, a padronização de ações mínimas de controle dos riscos nesses ambientes laborais e a uniformização e disseminação de procedimentos técnicos e administrativos. Definiram-se as seguintes tarefas básicas do programa: 

  • Levantamento e atualização sistemática do universo de atuação.
  • Padronização de procedimentos
  • Elaboração e atualização sistemática de manual para intervenção no setor canavieiro
  • Organização do aparato legal e elaboração de normas técnicas quando necessário
  • Capacitação de técnicos
  • Realização de inspeções nas 3 áreas de intervenção a saber:

A padronização e a construção de manual foram iniciadas nas reuniões do GT de 7jan 07 e 28-29mar07, contendo os procedimentos mínimos e roteiros de inspeção para as 3 grandes áreas de atuação – habitação coletiva, usinas de açúcar e álcool e lavouras de cana-de-açúcar, inicialmente aproveitando o acumulo de alguns grupos de vigilância sanitária regionais (GVS/SGVS) que já tinham experiências de intervenção na área e que depois foi sendo atualizado e remodelado pela experiência com o programa. Seguiu-se e a realização de 5 capacitações de técnicos do SUS, organizadas pela DVST, tendo como professores desde acadêmicos, técnicos de vigilância com experiência, técnicos de outras Secretarias até profissionais da área judicial e como alunos os técnicos das Vigilâncias em Saúde (Sanitária e Epidemiológica) das esferas estadual e municipal e dos CRSTs-Centros de Referência em Saúde do Trabalhador em cursos de 80 hs:

Também foram realizadas multiplicações pelas regionais de VISA para seus municípios como em Araçatuba que em 2009 capacitaram cerca de X técnicos ( tabela da Elba) da região.

A primeira intervenção coordenada no Estado se deu na entressafra 2007/2008 quando se verificou prioritariamente a proteção ao trabalho em altura com inspeção em 77% das Usinas existentes na época (175 usinas de 130 municípios em 13 regiões do Estado) onde se verificaram irregularidades e a falta de guarda corpos. Somente as usinas da região de Barretos tinham estas proteções regulares e em todas as demais, as equipes tiveram que exigir regularização imediata dos locais de maior risco, dando o prazo de cerca de 2 anos para a regularização de toda a planta das usinas. Em inspeções posteriores, os GVS em conjunto com as vigilâncias municipais avançaram para a observação, em inspeções durante a safra, de proteção de máquinas e demais riscos das áreas industriais.

Seguiram-se, principalmente por iniciativa de diversos municípios, ações junto às habitações coletivas irregulares e, no processo, por se sentir a necessidade de um instrumento legal específico para as intervenções, foi formado um grupo de trabalho, com funcionários do CVS e de diversas regionais que em 2 anos de trabalho estabeleceu uma norma técnica – Portaria 12/2009 e um novo roteiro de inspeção para alojamentos de trabalhadores rurais. Já se iniciou na rede do SUS o cadastramento obrigatório dos alojamentos de trabalhadores canavieiros.   

Como a demanda mais candente em 2007 era sobre as mortes entre trabalhadores do corte de cana, entendemos urgente aprofundar o conhecimento pelas equipes de saúde dos problemas encontrados neste trabalho; foi elaborado o Projeto de condições de hidratação e qualidade da água 2008-2011 para avaliar especialmente este consumo, na medida em que tínhamos alguns indícios de grandes problemas nesta área que tem seu controle, através do pró-água, sob a governabilidade do CVS e das vigilâncias municipais. Em 2008, em acordo com a SAMA e o IAL, testamos a qualidade da água e em inspeções concentradas em pouco tempo em áreas de corte da maioria das usinas de todas as regiões do estado (156 de 182 usinas ativas), pudemos avaliar melhor os riscos do processo produtivo, a quantidade de água consumida, a qualidade e qualidade da alimentação e demais problemas dos cortadores. Os resultados foram convincentes em confirmar os problemas de qualidade e quantidade da água e alimentação, além de mostrar a provável causa de problemas de saúde devido à organização e logística daquele processo produtivo, nos indicando uma clara necessidade de normatizar as condições sanitárias nas frentes de trabalho.

Montou-se em 2010 um GT Frentes de trabalho que estudando os problemas e a legislação existente produziu a Portaria CVS 11/2011 e ao Comunicado CVS 36/2012 que organiza procedimentos para transporte e conservação da água nas frentes de trabalho e conduz ainda a preparação de uma resolução sobre as demais condições sanitárias como a alimentação e outras questões a ser publicada assim que possível.

Para implemetar as ações de VISAT as 14 regiões de saúde com 184 usinas em 2012 contam com os serviços de 18 Grupos e 5 Sub Grupos de Vigilância Sanitária GVS/SGVS) e 18 Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE) da Secretaria de Estado da Saúde (SES) somados a 29 CEREST regionais de administração municipal, além das 142 vigilâncias municipais. 

Para 2012, o PPVISAT-Canavieiro prevê:

1 - Realização atividades nas 3 áreas já mencionadas sendo que com os seguintes enfoques primordiais:

A – Habitações coletivas: Cadastramento de alojamentos e inspeções visando a e as condições de higiene e regularização das mesmas.

B – Lavoura de cana: Cadastramento de transporte e fontes de abastecimento de água em frentes de trabalho e inspeções visando o controle da qualidade e quantidade da água à disposição dos trabalhadores e as condições sanitárias nas frentes de trabalho tais como alimentação, vestimentas instalações sanitárias, etc. com a elaboração de normas técnicas.

C – Usinas: revisão das proteções para trabalho em altura, proteções de máquinas e postos de trabalho de maior risco.

2 – Aprimoramento das Informações no SIVISA para acompanhamento atividades do programa; acompanhamento dos AT e outras notificações entre canavieiros.

3 – Elaboração de resolução para melhoria das condições sanitárias nas frentes de trabalho

O resultado trabalho de normatização para alojamentos aplica-se não só para os trabalhadores migrantes do setor canavieiro como também para todos os trabalhadores rurais deslocados da moradia de origem e obrigados a se alojarem para exercer sua atividade laboral no campo.

As normas estabelecidas para garantia da qualidade e quantidade de água para os trabalhadores são válidas para as frentes de trabalho em geral, incluindo outras lavouras como a laranja, o tomate etc, assim como para atividades da construção civil (estradas) e manutenção e limpeza urbana (coleta da lixo, varrição urbana, poda de árvores, etc

 Algumas considerações sobre os problemas de saúde dos canavieiros

 Por estudos realizados entre canavieiros e em levantamentos bibliográficos de situações e patologias similares entre atletas, pode-se concluir que alguns fatores devem estar contribuindo para as mortes súbitas entre canavieiros e outros tantos para os quadros crônicos de fadiga muscular e até LER DORT apresentados entre estes trabalhadores; há grande possibilidade de que o esforço físico extenuante, sob o sol e temperatura elevada entre cortadores esteja causando hipertermias e desequilíbrios hidroeletrolíticos que, associados ao protelamento da hidratação e ao estresses muscular, levariam à falências dos sistemas controle fisiológicos e até ao óbito que pode ocorrer durante o trabalho, mas também horas após a jornada, até durante o sono. Há grandes dificuldades de estabelecer o nexo causal entre canavieiros, pois vemos sistematicamente como causa da morte nos atestados de óbito, a parada cardíaca. Existem poucas pesquisas realizadas especificamente com canavieiros, citamos 2 exemplos significativos, a tese de Erivelton Fontana de Laat - Trabalho e risco no corte manual de cana-de-açúcar: A Maratona Perigosa nos Canaviais, que demonstra claramente o esforço físico e a sobrecarga térmica e a tese de doutorado de Maria Cristina Galvão Barbosa – 2010: Avaliação cardiovascular e respiratória em um grupo de trabalhadores cortadores de cana-de-açúcar queimada no estado de São Paulo, que encontrou distúrbios fisiológicos, entre eles sinais de sobrecarga muscular, distúrbios hidroeletrolíticos, aumento anormal da pressão arterial, estresse oxidativo, alterações de coagulação, efeitos tóxicos dos poluentes na mucosa nasal e efeitos genotóxicos dos materiais particulados, no período da safra.

Os serviços de saúde em geral ou mesmo os serviços de Urgência/Emergência não têm como rotina as avaliações necessárias para detectar os distúrbios apontados nas pesquisas ou a ocorrência durante a jornada de trabalho recente de quadros de hipertermia ou de desidratação seguido de rehidratação, mesmo porque estes quadros são pouco conhecidos e de difícil avaliação sem o histórico ocupacional, pois os trabalhadores chegam como um cidadão qualquer no PS, à tarde ou noite, após esperar a finalização do período de trabalho e já ter se rehidratado e descansado algum tempo, apesar de ainda sentirem um mal estar geral.

Além das atividades de vigilância nos ambientes laborais, é necessário que a atenção a estes trabalhadores avance para a área assistencial, definindo protocolos de atendimento para canavieiros, iniciando o diagnóstico de seus distúrbios e patologias de forma direcionada nas regiões de plantio da cana, em especial nos serviços de Urgência/Emergência, oferecendo a assistência necessária e o mais precoce possível além de encontrar formas de notificação dos agravos à saúde que ocorrem com estes trabalhadores.